O grupo emepebista Procure Saber perdeu prestígio público nos últimos meses, a partir do anúncio da saída de Roberto Carlos do bloco nada carnavalesco que havia se formado. Isso não significa que o incrível relicário de discussões aberto pela controvérsia das biografias tenha se esgotado ou perdido impulso a partir daquela implosão. Muito pelo contrário.

Em seu artigo semanal no jornal O Globo do domingo 16, intitulado “Freixo outra vez”, Caetano Veloso (des)embaralhou uma série de temas e personagens, desde o político Marcelo Freixo, seu PSOL e a fada Sininho (pirateada por Walt Disney no passado e hoje pela juventude braZilEUA), até esquerda festiva, black blocs e técnicas de edição jornalística d’O Globo.

O Procure Saber jamais é citado no texto de Caetano, mas eu apostaria que está absolutamente subjacente a ele.

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Um dos elementos constituintes do rififi das biografias foi, desde o início, a nunca explicitada relação de amor & ódio entre Caetano & as Organizações Globo, entre Chico Buarque & as Globos, entre Gilberto Gil e & Globo, até mesmo (!!!) entre Roberto Carlos & mamãe Globo. Nem Caetano nem seus colegas mais à esquerda ou mais à direita ou mais ao centro (ou muito pelo contrário) tiveram muita coragem de dizer com todas as letras, mas estavam bem menos aflitos com a vileza dos escritores pés-rapados de biografias que com as possibilidades de as Globos (seriados, telenovelas, filmes da enfezada Hollywood tropical) se servirem de suas biografias como objeto (não-remunerado?) de dramaturgia (e, ora, não estavam certíssimos nisso?). Santa Grana Graúda, Batman!

1967 Manifesto Musical

A relação entre Globo & nossos ídolos é simbiótica, por mais que nenhum deles goste de tocar nesse assunto. Todos os nossos ídolos, em maior ou menor escala, mas sem exceção, são amplamente beneficiados pela vitrine gigantesca e bilionária que é o conglomerado antigamente conhecido como “Vênus Platinada” (pense em TV, cinema, jornal, editora de livros, educação, gravadora, trilhas e aberturas de novelas, jabaculê Globo-gravadoras; pense no Mariozinho Rochaex-compositor de protesto fermentado no Grupo Manifesto e há décadas entronado como vitalício na direção musical das novelas globais).

A relação entre a Globo e os MPB parece estar outra vez malparada (Chico brigou muito com a velha sustentadora da ditadura civil-militar, antes de se pacificar com ela). Caetano vir a reclamar da manipulação global em plena página dominical de O Globo é algo sensacional, e traz de volta as feridas mal curadas do ano passado – mas não chega a eximir cada um de nossos ídolos (nem mesmo São Caetano Independente) de fechar com a Malvada sempre e toda vez que lhe for conveniente. Simbiose é para as horas boas e para as ruins – assim como o é o encanto infantojuvenil provocado em jovens e senhoras pelos ex-petistas do PSOL e da Rede.

Some-se ao acima exposto o ato falho de Caetano, ao espinafrar no artigo as revoluções mundiais como um todo – mesmo sendo ele próprio o artífice mais vistoso de uma das mais belas revoluções que o Brasil e o antigamente chamado “Terceiro Mundo” já viveram: a tropicália (e não “tropicalismo”, como gostam de dizer os detratores), que desenvolveu e engrandeceu todo um país ao apontar cara a cara para as feridas do comportamento do homem e da mulher (e do preto e do pobre e da puta e da bicha e da travesti e da índia e da elite branca) tropicais. Mas deixemos isso de lado por ora, para não nos perder em assuntos demais. O babado da vez, outra vez, é a discussão de relação (DR) pública entre Caetano/Procure Saber/MPB/Ecad/Globo/Folha (vide o revelador artigo de Janio de Freitas publicado no dia seguinte à edição de “Freixo outra vez”).

Para não dizer que não falamos de flores, FAROFAFÁ pirateia abaixo o texto de Caetano n’O Globo, por considerá-lo desde já mais um momento histórico da cultura & da política brasileiras. (Por favor, não nos processem, doutores Roberto Marinho.)

 

Freixo outra vez

“Gosto de Freixo não porque ele é do PSOL. Acho que gosto um tanto do PSOL por ele abrigar Freixo. Sou independente, conforme se vê. Ser estrela é bem fácil. Nada importam as piadas dos articulistas reacionários que classificam minhas posições como Radical Chic. Desprezo a tirada de Tom Wolfe desde o nascedouro. Antigamente tentavam me incluir na chamada esquerda festiva. Isso sim, embora incorreto, me agradava: a expressão brasileira é muito mais alegre, aberta e democrática do que a de Wolfe. Mas tenho vivido para desmontar o esquema que exige adesão automática às ideologias da moda. Deploro o resultado das revoluções comunistas. Todas. E, considerando o Terror que se seguiu a 1789, sou cético quanto a revoluções em geral. Na maioria das vezes, a violência se dá, não para fazer a história humana caminhar, mas para estancar seu fluxo. Olho com desconfiança os moços que entram em transe narcisista ao quebrar vidros crendo que desfazem a trama dos poderes. Ainda hoje não consigo adotar a posição que considera Eduardo Gianetti, um liberal crítico, ou André Lara Rezende, o homem que põe em discussão o crescimento permanente, conservadores. Nem acho que o conservadorismo seja necessariamente um mal. A adesão de alguns colegas meus à nova direita me deixa nauseado, não por ser à direita, mas por ser automática.

“Simplesmente me pergunto qual exatamente será a intenção do Globo ao estampar manchetes e editoriais induzindo seus leitores a ligarem Marcelo Freixo aos rapazes que lançaram o rojão que matou Santiago Andrade. A matéria publicada no dia em que saiu a chamada de capa com o nome do deputado era uma não-notícia. Nela, a mãe de Fábio Raposo, o rapaz que entregou o foguete a Caio Souza, é citada dizendo acreditar que o filho ‘tem algum tipo de ligação com Freixo’. Isso em resposta a uma possível declaração do advogado Jonas Tadeu Nunes, que, por sua vez, partiu de uma suposta fala da ativista apelidada Sininho. O Globo diz que esta nega. Como então virou manchete a revelação da possível ligação entre o deputado e os rapazes envolvidos no trágico episódio? Eu esperaria mais seriedade no trato de assunto tão grave.

“Li o artigo do grande Janio de Freitas em que ele defende a tese de intenção deliberada de assassinar um jornalista, o que está em desacordo com as imagens exibidas na GloboNews. Sem falar na entrevista do fotógrafo, que afirma que o detonador do artefato tinha mirado os policiais. Claro que me lembrei, ao ver a primeira reportagem na GloboNews, dos carros de emissoras de TV incendiados durante as manifestações, o que me levou a participar da indignação dos âncoras do noticioso. Um vínculo simbólico entre aquelas demonstrações de antipatia e o ocorrido em frente à Central é óbvio: um rojão sai das mãos de um manifestante e atinge a cabeça de um jornalista. Mas parece-me abusivo ver nisso o propósito de matar o repórter. Nas matérias que se seguiram, O Globo, ecoando falas do advogado Jonas Tadeu, que diz não ser pago por ninguém para defender os dois réus, mas conta que um deles diz receber dinheiro para ir às manifestações, insiste em lançar suspeita sobre Freixo, por ser o PSOL, seu partido, um possível doador do alegado dinheiro. Na verdade, as declarações do advogado, mesmo nas páginas do Globo, soam inconvincentes. O mesmo Janio de Freitas, em artigo posterior àquele em que defende a tese de assassinato deliberado, se mostra desconfortável com o comportamento de Jonas Tadeu. Já O Globo, no qual detecto uma sinistra euforia por poder atacar um político que aparentemente ameaça interesses não explicitados, trata as falas de Tadeu sem crítica. Uma das manchetes se refere a vereadores do PSOL que teriam contribuído para uma ação na Cinelândia, na véspera de Natal, sugerindo ligação do partido com vândalos, quando se tratava de caridade com moradores de rua. O tom usado no Globo é, para mim, de profundo desrespeito pela morte de Santiago.

“Freixo, em fala firme ao jornal, desmente qualquer ligação com os dois rapazes. Ele também lembra (assim como faz Janio) que Jonas Tadeu representou o miliciano Natalino.

“Quando Freixo era candidato a prefeito, escrevi artigo elogioso sobre ele. O jornal fez uma chamada de capa que, a meu ver, desqualificava meu texto. Manifestei minha indignação. A pessoa do jornal que dialogava comigo me assegurou não ter havido pressão dos chefes. Acreditei. Agora não posso deixar de me sentir mal ao ver a agressividade do jornal contra o deputado. Tudo — incluindo os artigos de autores por quem tenho respeito e carinho — me é grandemente estranho e faço absoluta questão de dividir essa estranheza com quem me lê“.

 

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6 COMENTÁRIOS

  1. O socialismo já era. Prepara que agora é hora de protestar contra tudo. (Saudades, Raul!)
    Protestar dá iBOPE, ressuscita os mortos Freixos e outras piadas do SOCIALISMO E LIBERDADE (risos). A Globo adora bater continência pra essas viúvas de Lênin e d’outros deuses mortos. A esquerda adora o culto às personalidades, todos tiranos. Pobres e podres poderes a tudo corrompem, até a cara de pau cheia de traças e planos.
    Caetano escreve muito, muito, muito mal, pior do que eu no teclado do celular.

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