Nossos sempre sorridentes ídolos de repente aparecem sorumbáticos, carrancudos, pesados. Sob um fundo azul-roberto-carlos, demonstram nitidamente estar lendo um teleprompter – é possível acompanhar os movimentos de olhos de Roberto Carlos, o segundo a aparecer, logo após Gilberto Gil, num vídeo soturno que procura consertar o estrago causado (por quem?) nas últimas semanas.

Discorrem sobre privacidade, intimidade. Erasmo Carlos, que até hoje não havia dado a cara a tapa no embate direto entre o Procure Saber e as famigeradas biografias, é convocado a afirmar que “decidir o que nos toca a cada qual intimamente” é “um ponto que não podemos delegar a ninguém”.

Gil, nestaa mesma terça-feira, 29 de outubro, havia surgido no jornal O Globo afirmando, equivocadamente, que nós, seus compatriotas e admiradores, resolvemos “nos livrar desses velhos de uma vez por todas” (de maneira alguma, querido Gilberto, você está enganado).  No vídeo do Procure Saber, ele tenta reparar o dano que seu próprio grupo causou, sem que ninguém houvesse pedido ou provocado. “Nunca quisemos exercer qualquer censura, ao contrário“, afirma, enrolando-se cada vez mais no próprio discurso contraditório.

Gil e Erasmo e Roberto se alternam em explicações tortuosas, que a cada momento ampliam nossos pontos de interrogação: do que é mesmo que esses caras estão com tanto medo, tanto pavor? É difícil, daqui de fora, perceber. Está bem difícil compreender em nome de que luta exatamente eles estão se expressando.

“Não negamos que esta vontade de evitar a exposição da intimidade, da nossa dor, ou da dor dos que nos são caros em dado momento, nos tenha levado a assumir posição mais radical“, afirma um Roberto inseguro, que tropeça nas palavras pelo meio da frase. Nossas dúvidas se ampliam e latejam como dores, elas também: quem devassou sua intimidade com tal grau de violência, Roberto? Do que é mesmo que Roberto Gilberto Carlos está falando, que daqui não nos é possível decifrar?

“Queremos e não abro mão do direito à privacidade e à intimidade, a nossa e a dos que podem sofrer por estarem ligados a nós”, ergue a voz o sempre gentil Erasmo. Quem, Erasmo, quem está fazendo pessoas ligadas a vocês sofrerem tanto assim? Daqui de fora não há óculos que nos façam enxergar.

“Queremos, sim, garantias contra os ataques, os excessos, as mentiras, os insultos, os aproveitadores”, Gil pega pesado. Por favor, Gil, não nos assuste, que ataques?, que mentiras?, que aproveitadores? Que acusações graves são essas que vocês se puseram a fazer repetidamente, sem dar nomes a agressores tão perigosos?

Nos perdoem, caros Procure Saber, mas o discurso de vocês resta assustador. Parece haver algo de muito grave que ao Brasil do lado de cá ainda não foi dado conhecer, é isso que nos querem fazer pensar? Ou terá sido um discurso profundamente autovitimizador, destinado a nos causar pena de quem mais amamos, e por issomesmo incompatível com as trajetórias da maioria de vocês?

“Não somos censores”, RC pronuncia a frase que talvez jamais tenhamos esperado ouvir de sua boca (não mesmo, Roberto?). “Não queremos calar ninguém. Mas queremos que nos ouçam”, finaliza Roberto Carlos, o “Rei”, o dono da última palavra, o homem mais ouvido do Brasil nos últimos 50 anos.

Temos escudado você, Roberto, e Gilberto, e Erasmo, e também os por ora desaparecidos do vídeo Caetano VelosoChico Buarque, Djavan e o misterioso Milton Nascimento, por décadas a fio. E vocês estão se queixando, de nós, que supostamente não quereríamos ouvi-los? Não seria mais ou menos o contrário?

Sabemos que não é esta a intenção de vocês, mas a inverdade “não queremos calar ninguém” e o pedido “queremos que nos ouçam” soam insultuosos – não temos feito outra coisa senão ouvi-los, estas décadas todas, a cada Natal, Ano Novo, carnaval, festa junina, outono, inverno, primavera e verão. Em casa, na rua, na chuva, na fazenda, na praia, numa casinha feliz de sapé.

Poderíamos talvez, inclusive, responder ao pedido de vocês com outro pedido: se querem tanto ser ouvidos, por favor, FALEM. Se possível, conversem. Conosco. Somos todos ouvidos, procuramos e queremos saber – e de vez em quando também gostamos de falar.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Olá Pedro,

    Fica difícil não criticar, depois desse vídeo, a tal discussão que eles buscam promover – um debate guiado por telepromter?

    Gostaria, e sei que posso estar sendo ingênuo ao extremo nesse momento, de ouvir o que os artistas realmente têm a dizer sobre o tema. Sem telepromter ou assessorias e advogados. Mas, claro, parece impossível que isso aconteça – com esse vídeo institucional a revirar o nosso fígado. Espero estar errado, e que em breve eles comecem a falar com calma e francamente com todos nós – e não somente com a imprensa-empresa que eles gostar de falar mal e bem ao mesmo tempo.

    Com efeito, e se me permite o contraditório (sem qualquer tentativa de ficar enrolando ninguém ou defendendo uma rasa e abstrata oposição entre liberdade de expressão e direito à privacidade), acredito que o seguinte trecho é importante para a nossa reflexão coletiva: “Queremos, sim, garantias contra os ataques, os excessos, as mentiras, os insultos, os aproveitadores”.

    Sei que a beligerância parece se alternar em toda essa discussão. De um lado, jornalistas, editoras e empresas de telecomunicação acusam os artistas de censores – com um forte sorriso sádico e meio que dizendo “viram só, os seus ídolos de esquerda e também os libertários da Tropicália são tudo censores, viram só quem são seus heróis”. De outro, como citei acima, essa frase elaborada pelo Procure Saber (a tal “Queremos, sim, garantias (…)” e segue) é extramente ofensiva em suas acusações e formulação. No entanto, e daí sei que posso ser aqui mal compreendido por muitos, acho sim fundamental que as calúnias, insultos e inverdades não possam sair por aí impunes.

    Pasme, meu caro Pedro (e o pessoal que acompanha e participa dos comentários), mas José Dirceu escreveu hoje, na seção Tendências e Debates do Folha de São Paulo (ufa, não foi no Globo – parece que só o Globo quer o monopólio de todas as vozes sobre o tema), um dos melhores textos sobre toda essa contenda judicial. E chamou a atenção justamente para algo que já estava esboçado em seus textos, Pedro, e que eu também havia comentado aqui anteriormente: o fato de que a gritaria da imprensa, assim como a gritaria dos artistas, expressa claramente que existem inúmeros interesses em jogo. E a imprensa, é claro, não aceita qualquer forma de debate e regulação da sua atividade – e, sem discussão, chama tudo isso de censura. Com efeito, tais empresas sofreram sim censura, mas também gostaram muito de colaborar com ditadura civil-militar que foi implantada no país.

    Ou seja, não concordo com a proibição das biografias não-autorizadas. Isso deve estar claro e todos devem se manifestar sobre essa questão – dizendo qual é o seu posicionamento. Aliado a isso, penso que não deve haver nenhuma mudança na lei sobre esse tema – ou seja, a liberdade de expressão deve permanecer, sem qualquer alteração. Mas, aí vem o pulo do gato, devemos também manter o direito também público e na mesma proporção da capacidade de contraditório, esclarecimento e direito de resposta. Sabemos muito bem que calúnias servem para vender livros e jornais. E, também, deveríamos saber que impedir a publicação de algo não resolve essa questão.

    Desculpe-me pelo extenso comentário. Abraço.

  2. Peço licença para novamente abusar de vossas paciências. No entanto, lembrei-me de algo que li hoje, na mesma Folha de São Paulo. O ex-jogador Tostão (que há um bom tempo é o melhor escritor e colunista sobre futebol – e um dos melhores sobre outras coisas mais – que temos no Brasil) se posicionou sobre o tema em questão. Vou reproduzir esse trecho de sua coluna (“Futebol é complexo”) – porque, de verdade, acho lindo e totalmente esclarecedor sobre o que estamos aqui a tentar entender e debater:

    “Sou a favor das biografias não autorizadas, com responsabilidade, mas penso que todas, consentidas ou não, principalmente as autobiografias, são misturas de suposições com fatos, de racionalidades com autoenganos, de realidade com ficção, mesmo quando feitas por profissionais sérios e competentes.

    É impossível saber o que se passa nas entranhas de nossa natureza, de nosso DNA e nas profundezas de nossa alma, de nossos desejos e de nossas atitudes.

    Os grandes talentos, em todas as áreas, são especiais por suas obras. Os leitores não deveriam ficar surpresos nem decepcionados com suas biografias. Eles são humanos. Acertam e erram como todas as pessoas. Uns mais que outros.”

    Maravilhoso.

  3. Eles realmente parecem assustados com algum fantasma que ainda não apareceu. Até agora, a unica biografia que foi feita não com o intuito de informar, mas de distorcer intencionalmente a imagem de uma grande figura publica, foi a de José Dirceu.

  4. Devem estar se borrando de medo, provavelmente possuem rabo preso com a ditadura. Até consigo entendê-los, não deve ser fácil resistir às tentações, tudo fica mais fácil estando do lado do poder.

  5. Em trecho da biografia de Roberto Carlos, Gilberto Gil dá um depoimento – a respeito da passeata da MPB contra a guitarra elétrica – que pode ser um indicativo do atual alinhamento dele com o Procure Saber:

    Gilberto Gil afirma que na época não percebeu o interesse promocional da TV Record no episódio. “Para mim isso não era muito claro na época. O que eu entendia é que aquela era uma passeata da minha turma. Ou seja, minha turma organizou uma passeata e eu fui lá participar, porque eu sempre tive esse espírito de grupo, muito mais do que Caetano, que é mais de apostar na solidão individual, na escolha pessoal. Mas aonde a turma vai eu vou junto, embora muitas vezes a escolha individual possa ser outra. Eu tenho muito essa coisa gregária, que é a característica do militante, apesar de ser muito pouco ideologizado. Eu sempre fiz esforço para assumir posturas ideológicas por questão de fidelidade a grupos. Por exemplo, eu não era comunista, não gostava, não acreditava no comunismo e no entanto militava com os comunistas e fui fazer o CPC com eles justamente por ser da turma. Com o episódio da passeata foi a mesma coisa. Era a minha turma, a Elis, o Edu Lobo, o pessoal do MPB-4, todos me convocando para fazer uma passeata. Como também fui à Passeata do Cem Mil no ano seguinte, porque todos da minha turma participaram daquilo. Enfim, eram contextos sociais que me impulsionavam, não eram impulsos individuais. Eram enxurradas da história de seu tempo e eu levado a trambolhões por ela. Para mim sempre foi assim.”

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