Último parágrafo do artigo “Penso Eu“, do músico Chico Buarque, no jornal O Globo, em 16 de outubro: “Nos anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da censura, proibiu por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o censor”.

Artigo “O direito à privacidade como elo da cidadania“, do músico Gilberto Gil, no jornal O Globo, em 15 de outubro: nem um pio sobre a Globo. Só “privacidade”, “privacidade”, “privacidade” (contra o outro lado que só repete “liberdade de expressão”, “liberdade de expressão”, “liberdade de expressão”, quando não “censura”, “censura”, “censura”).

Trechinho algo cifrado, perdido no meio da coluna “Cordial“, do músico Caetano Veloso, no jornal O Globo, em 14 de outubro: “Tenho dito a meus amigos que os autores de biografias não podem ser desrespeitados em seus direitos de informar e enriquecer a imagem que podemos ter da nossa sociedade. Pesquisam, trabalham e ganham bem menos do que nós (mas não nos esqueçamos das possibilidades do audiovisual)”.

Pela primeira vez na história deste país, coube ao “namoradinho do Brasil” Chico Buarque algum grau de ônus na impopular campanha movida pelo grupo Procure Saber contra uma suposta bandalheira de vândalos sensacionalistas autointitulados “biógrafos” contra os pobres coitados da elite (troglodita?) da MPB. Trata-se apenas do último parágrafo de seu artigo, mas aquelas linhas colocam a nu, finalmente, uma das agendas ocultas da guerra nada santa da pobre MPB “Procure Saber” contra biógrafos malvados milionários nadadores de piscinas de dinheiro.

As palavras de Chico remetem imediatamente àquele programa (ruim) que passava (ou passa, não tenho certeza) nas madrugadas globais de sexta-feira para sábado, de elencos musicais diversos prestando “homenagens” às obras de compositors importantes da mesma MPB, em forma de releituras.

O que Chico está querendo dizer? Que não aceita ser “homenageado” pela Globo naquele programa? Que aceita ser “homenageado”, mas quer uma porcentagem das receitas? Que está doido para simplesmente CENSURAR uma imensidão de homenagens e “homenagens”, ao mesmíssimo tempo em que rejeita peremptoriamente a tarja de CENSOR? Só ele sabe ao certo o que quer dizer. E nós não saberemos, nem que procurarmos, já que há anos ele não dá entrevistas nem dialoga com a sociadade brasileira de modo mais direto que o egoico “penso eu”. E, parece, menos ainda dialogará agora, neste momento controverso em que alguns dos maiores heróis nacionais se sujeitam a, talvez, incompatibilizar-se com suas legiões de admiradores.

As filigranas permanecem nebulosas, mas o que a insinuação de Caetano, a mudez de Gil e a porta escancarada de Chico apontam é que, até o advento do “Penso eu”, “as possiblidades do audiovisual” estavam zelosamente escondidas atrás de testas-de-ferro circunstanciais também conhecidos como escritores de biografias.

É espantoso o papel de senhores de engenho que os Procure Saber têm desempenhado diante de nossos olhos incrédulos. São sete garbosos gigantes machos (os outros são Djavan, Erasmo Carlos, Milton Nascimento e, por último, mas não menos importante, Roberto Carlos) que, de cara, se esconderam atrás da porta-voz (e séria candidata a “inimiguinha número 1” do Brasil) Paula Lavigne. Ex-esposa e empresária do mais barulhento dos Procure Saber, além de produtora cinematográfica várias vezes associada à Globo Filmes, Paula apanhou à beça da opinião pública, até que os varões começassem a tirar as cabeças dos respectivos buracos de avestruz.

Agora, o doninho da bola Chico Buarque, eterno menino mimado de olhos claros da tradicional família paulistanocarioca (e brasileira), nos deixa ver que os sensíveis marmanjões se escondiam não só atrás de uma mulher com a metade da idade deles como também usavam escritores de livros na prática já impedidos de trabalhar como escudos humanos para uma disputa comercial subterrânea com produtoras de cinema e TV sempre dispostas a “homenagens” no formato cine ou telebiografia.

Talvez a sociedade estivesse menos indisposta com os Procure Saber se eles agissem com menor insinceridade. Talvez até os apoiássemos se dissessem, com todas as letras, que não acham justo as Globos ganharem rios de dinheiro não-dividido às custas das histórias de vida deles. Mas quem, mesmo entre os mais talentosos e famosos e poderosos ídolos da MPB, tem peito para desafiar a Globo de igual para igual, cara-a-cara?

Juntos, em 1986, quando apresentavam o programa musical  "Chico & Caetano" na Rede Globo.
Juntos, em 1986, quando apresentavam o programa musical “Chico & Caetano” na Rede Globo.

Esconde-esconde e cabra-cega à parte, é curioso que a atual celeuma se dê pouco depois de a Rede Globo ter admitido, com 49 anos de atraso, o “erro” de sua participação direta na ditadura civil-militar brasileira. Os MPB têm exalado mágoas e afetada indignação quando acusamos ímpetos censores em suas atuais atitudes. Talvez não gostem de que as tomemos como desejos individualistas (dos quais seus fãs estamos excluídos) de resolver seus próprios problemas (talvez) financeiros. Mas, intere$$es globais para lá, intere$$es emepebistas para cá, seria este um duelo de cen$ores contra cen$ores?

Para lá da cen$ura, fica de pé, ao final de tudo, uma perguntinha perturbadora feita em 13 de outubro,no mesmo O Globo (sempre ele), por Jards Macalé, colega menos famoso, menos rico e talvez por isso mesmo um pouquinho mais rebelde dos Procure Saber: “O que nego tem de tão cabeludo que tenta esconder?”. Seria essa a próxima agenda oculta a desbravar?

 

(Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo Brasil.)

 

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