A música brasileira está decadente – sans élégance. Difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido uma frase como essa. Refine o gênero, e as frases continuarão a fazer sentido para muitas pessoas. O funk, o sertanejo, o forró, o pop, todas as músicas consumidas pelas massas não prestam.

Um estudo acadêmico parte do forró eletrônico, ouvido à exaustão em todo o Nordeste, para investigar o que muitos chamam de “degeneração” da música popular. O professor Jean Henrique Costa, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, obteve o título de doutor em Ciências Sociais com a tese “Indústria Cultural e Forró Eletrônico no Rio Grande do Norte”, defendida em março de 2012 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O pesquisador defende que o gênero preferido entre os nordestinos faz parte de uma engendrada indústria cultural, por meio da qual são criadas e sustentadas formas de dominação na produção e na audição desse tipo de música.

Segundo ele, quando uma banda de forró eletrônico recorre a canções de temática fácil, na maioria das vezes ligadas à busca de uma felicidade igualmente fácil, ela está criando mecanismos para a formação de um sistema de concepção e circulação musical. Nele, nada é feito ou produzido por acaso. Tudo acaba virando racionalizado, padronizado ou massificado.

Wesley Safadão e banda Garota Safada - Foto Divulgação
Wesley Safadão e banda Garota Safada – Foto Divulgação

O ideal de uma vida festeira, regada de uísque, caminhonete 4×4 e raparigas (mulheres) é hoje um símbolo de status e prestígio para muitos dos ouvintes. Ninguém quer ficar de fora da onda de consumo. Numa das partes da pesquisa, Costa analisou o conteúdo das letras dos cinco primeiros álbuns da banda Garota Safada e descobriu que 65% das músicas falam de amor, 36% de sexo e 26% de festas e bebedeiras.

“Parte expressiva das canções de maior sucesso veicula a ideia de que a verdadeira felicidade acontece ‘no meio da putaria’, ou seja, nos momentos de encontros com os amigos nas festas de forró”, escreveu Costa. “Não se produz determinada música acreditando plenamente que se está criando uma pérola de tempos idos, mas sim um produto para agradar em um mercado competitivo muito paradoxal: deve-se ser igual e diferente concomitantemente.” Ou seja, a competitividade do mercado induz à padronização dos hits.

“O que move o cotidiano é isso mesmo: sexo, amor, prazer, diversão. O forró e quase toda música popular sabem muito bem usar desse artifício para mover suas engrenagens”, explicou Costa. “Não é por acaso que as relações sexuais são tão exploradas pelas canções de maior apelo comercial a ponto de se tornarem coisificadas à maneira de clichês industriais.”

REFERENCIAL TEÓRICO

Outros gêneros musicais também recorrem a estratégias semelhantes. O forró eletrônico consegue se diferenciar dos demais ao dar uma roupagem de “nordestinidade”, criando a identificação direta com o seu público. Mas o objetivo final de todos é proporcionar diversão. O problema, segundo Costa, é que “se vende muito pão a quem tem fome em demasia”.

Costa baseou sua pesquisa no referencial teórico de Theodor W. Adorno, um dos ideólogos da Escola de Frankfurt. O pesquisador procurou atualizar o conceito de indústria cultural a partir da constatação de que as músicas do forró eletrônico são oferecidas como parte de um sistema (o assédio sistemático de tudo para todos) e sua produção obedece a critérios com objetivos de controle sobre os efeitos do receptor (capacidade de prescrição dos desejos).

O pesquisador recorreu ainda a autores como Richard Hoggart, Raymond Williams e E.P. Thompson para abordar o gênero musical a partir da leitura dos estudos culturais (a complexa rede das relações sociais e a importância da comunicação na produção da cultura), que dialogam com outro conceito anterior, o de hegemonia, de Antonio Gramsci. Pierre Bourdieu também serve de referencial teórico.

Ao amarrar essas teorias, o pesquisador argumenta que o público consumidor de músicas acaba fazendo parte de esquemas de consumo cultural potentes e difíceis de serem contestados. Neles, até o desejo acaba sendo imposto. Em entrevista a FAROFAFÁ, Costa exemplifica esse fato com a atual “cobrança” pelo consumo de álcool, onde a sociabilidade gira em torno de litros de bebidas.

“O que se bebe, quanto se bebe e com quem se bebe diz muito acerca do indivíduo. O forró não é responsável por isso, mas reforça.” Para o pesquisador, o consumo de bebidas se relaciona com a virilidade masculina, que, por sua vez, se vincula à reprodução do capital.

“Não reconheço grande valor estético (no forró eletrônico), mas considero um estilo musical que consegue, em ocasiões específicas, cumprir o papel de entreter”, afirmou. O pesquisador ouve todo tipo de música (samba-canção, samba-reggae, rock nacional dos anos 1980 e 1990, bolero, tango, entre outros), mas sua predileção é por nomes como Nelson Gonçalves e Altemar Dutra.

Para cobrir essa lacuna sobre o gênero que iria pesquisar, Costa entrevistou nomes como Cavaleiros do Forró, Calcinha de Menina, Balança Bebê e Forró Bagaço. O seu objetivo foi esquadrinhar desde uma das maiores bandas de forró eletrônico do Rio Grande do Norte até uma banda do interior que mal consegue fazer quatro apresentações por mês e cobra em torno de R$ 500 por show.

Banda Aviões do Forró - Foto Divulgação
Banda Aviões do Forró – Foto Divulgação

Entre os extremos de quem ganha muito e quem mal consegue sobreviver com o forró, o professor constatou que o sucesso é um elemento em comum, e algo difícil de ser obtido. Depende de substanciais investimentos financeiros e também do acaso – ter um hit pelas redes sociais ajuda. É por isso que Costa afirma que Aviões do Forró e um forrozeiro tecladista independente estão em lados completamente opostos, mas ainda têm algo basilar em comum: a indústria cultural.

É dentro desse contexto de consumo de massa de hits que nascem e morrem, diariamente, pelas rádios e carrinhos de CDs piratas, que prevalece o forrozão estilo “risca a faca” e “lapada na rachada”, para uma população semiformada (conceito adorniano de Halbbildung), explica Costa. Sobra pouco ou nenhum espaço para nomes consagrados do gênero.

Luiz Gonzaga, por exemplo, embora seja o símbolo maior do gênero e tratado com respeito pela maioria dos nordestinos, acaba sucumbindo a essa indústria cultural. “A competição é desigualmente assimétrica para o grande Lua. O assum preto gonzagueano, nesse sentido, bateu asas e voou.”

Costa diz não ser um pessimista ou só um crítico ferrenho do forró eletrônico. Tampouco que tem pouca esperança de que a música brasileira seja apenas uma eterna engrenagem da indústria cultural. Ao contrário, é dentro dela própria que ele vê saídas para o futuro da produção nacional. “Se vejo alguma possibilidade de mudança pode estar justamente nesses estúdios caseiros de gravação de CDs, nas bandas de garagem, no funk das periferias, no tecnobrega paraense. Não afirmo que a via é essa, mas que é um devir, uma possibilidade que pode não ir para além do sistema, mas minar algumas de suas bases”, concluiu.

Clique para acessar a tese de doutorado

 

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32 COMENTÁRIOS

  1. Só de, com muito cuidado, buscar se romper a cortina de blindagem – muito bem estudada e engendrada – que se faz a estes gêneros, pronta a metralhar de “pedante” qualquer um que ousar problematizá-los, dizendo que se é obrigado a gostar ou deve-se calar para sempre, já é um avanço.

    • Você tocou diretamente na ferida. Se há uma coisa que os “agentes culturais” de nosso país – e aí incluem-se a grande mídia, enquanto entidade, e os indivíduos que lucram com esta máquina – sabem fazer como ninguém é coagir moralmente a seus críticos. Isto é a base de sustentação de tudo que há de manipulativo e grosseiro neste país. A sofisticação do discurso coercitivo tem afastado qualquer possibilidade de mudança em todas as esferas da sociedade, não só a cultural. A contradição é suplantada pelo cinismo e pela truculência de quem antecipadamente se vitimiza perante os questionamentos. O sujeito já sabe que sua atitude é questionável e já se apresenta com duas pedras na mão, ciente de que o que vale é o apoio que vai ter do sistema a qualquer absurdo que use pra justificar o injustificável. Em contrapartida, vem o discurso de qualquer mediocridade será amparada, de que todos os idiotas terão oportunidade, desde que endossem o referido discurso manipulador e autoritário. Cretinos do mundo, uni-vos!

      • E o coringa mais gasto do baralho: tudo deve ser engolido, porque alguma coisa no passado foi mal compreendida. Eles comparam quaisquer injustiça que um artista ou estilo artístico sofreu para justificar qualquer coisa no presente. Obviamente, o pulo do gato é não comparar contextos.
        É muito cinismo.

    • APROPRIAÇÃO INDÉBITA!

      Eu só não concordo com o termo “forró,” utilizado para determinar o que essas Bandas fazem, elas não fazem forró. Quem faz forró é Pinto do Acordeon, Santanna O Cantador, Flavio José, Xico Bizerra, Maciel Melo, Patrucio Amorim, Irah Caldeira, Cristina Amaral, Bia Marinho, Bira Marcolino, Bebé de Natercio, Chico de Pombal, Nanado Alves, Ilmar Cavalcante, Alexandre Pé de Serra, Nádia Maia, e muitos outros, todos, seguidores do maior artista popular deste País, Luiz Gonzaga. Essas Bandas ou seus mentores deveriam encontrar um nome adequado para o que eles fazem, como o pessoal da Bahia fez, o “axé music”, e não se apropriar do forró para tentar destrui-lo, com um mote de porcaria e putaria, exaltando a prostituição, a bebedeira desregrada, a bagunça, o desrespeito a mulher. O verdadeiro “forró” tem raiz, tem historia cantada e muito ainda pra contar e cantar, tem conteúdo, tem poesia. Forró não é o que essas Bandas fazem, o que elas fazem é outra coisa. Até a Banda Calypso é considerada uma banda de forró, vejam o absurdo! A Banda Calypso faz o “Brega Pop” paraense, porém, colocaram essas bandas todas no mesmo “bisaco” e pra todos os efeitos são Bandas de forró. “Apropriação Indébita.”

      • Parabéns Chico do Pombal. Depois de tudo que vc disse, não precisa dizer mais nada, expressou exatamente a realidade. Vou divulgar seu comentário para o maior número de pessoas que eu puder.

        • Obrigado Edmundo pelo seu apoio. O Brasil é muito grande e tem espaço e publico para todo tipo de musica, não há necessidade de alguem se apropriar indevidamente do termo “forró”, pra determinar um tipo de musica que não pertence ao gênero musical. O estilo deles já está criado, falta só um nome apropriado para definir esse estilo, que, definitivamente, não e´o termo “forró”. Eu já falei e vou repetir: quem faz forró é Pinto do Acordeon, Santanna O Cantador, Flavio José, Xico Bizerra, Maciel Melo, Patrucio Amorim, Irah Caldeira, Cristina Amaral, Bia Marinho, Bira Marcolino, Bebé de Natercio, , Nanado Alves, Ilmar Cavalcante, Alexandre Pé de Serra, Nádia Maia, este que escreve(Chico de Pombal), e muitos outros, todos, seguidores do maior artista popular deste País, Luiz Gonzaga. É só acessar e ouvir no http://clubecaiubi.ning.com/profile/chicodepombal, e verás a diferença entre os estilos. Eu estou falando apenas do estilo musical e da apropriação indebita do nome “forró”.

  2. é muito facil escrevermos ou pesquisarmos sobre algo que os sociólogos ou intelectuais sulistas querem ouvir, o dificil é ir ao contrário a esta fonte.
    Talvez no passado até mesmo Luiz Gonzaga forá taxado de “decadente” como este o diz.

  3. O pior de tudo é o movimento (perverso) de apropriação que a indústria cultural promove. O Aviões do Forró, citado na matéria – pense numa banda triste! O vocalista parece mais um promotor de eventos, fazendo agradecimentos e falando besteira mais do que cantando. Mas a coisa se torna mais crítica quando se compara as versões de uma música, “Ziriguidum”: a original, dos Filhos de Jorge, e a deles. Todo o suingue da música se perde, graças ao desserviço do Aviões do Forró. É dose!

  4. Que bom saber que neste blog também há espaço para a palavra daqueles que são críticos desses tipos de música que lotam a grande mídia – cheguei a pensar que a linha de raciocínio deste blog se resumisse a defesa do neobrega-massificado
    .

  5. Só discordo quando ela chá este lixo de forró eletrônico. Pode ser tudo que não presta, mas não é forró. Forró é outra coisa. É o xote, o xaxado, o baião, o verdadeiro pé de serra. E a culpa destas bandas desgraçadas atraírem público é das rádios que passaram a exigir dinheiro para tocar as músicas, e não dar opção ao ouvinte como antigamente, bem como receber dinheiro para tocarem o que não presta. Aí o lixo vai acostumando nos ouvidos da juventude, massa de manobra desprovida de educação, inclusive musical, lamentavelmente.

  6. Quando fazem loas àquele sambinha para apartamentos que denominam de bossa nova… e seu patinho quen-quen… ah, não… Citar Adorno chega a ser fácil, difícil é ir até a raiz das coisas…

    • A bossa-nova tem seu contexto, não é algo que surgira com alguma pretensão de superar o samba ou suprimi-lo. E nunca vi um público de show de samba vaiar os sambistas tradicionais porque queriam só monopólio da bossa nova, como fizeram já com diversos forrozeiros de zabumba e sanfona.

  7. O pior de tudo isso, são as fraudes em centenas de prefeituras de todo o Brasil. De acordo com as denúncias, deputados federais, senadores e ministros recebem propina de produtores de EVENTOS para conseguir dinheiro junto ao Ministério do Turismo. Os lobistas procuram os políticos sempre em nome de uma Produtora de Eventos. A verba é liberada para as prefeituras por meio de emendas parlamentares.

  8. Essa é uma visão um tanto elitista. Não vejo decadência da música brasileira e sim dos meios que a promovem. Rede Globo e as rádios comerciais são os verdadeiros pais desse lixo que o povo consome. E as emissoras ditas não comerciais tem o mesmo olhar antigo e retrógrado para a diversidade que está aí no nosso nariz. Pararam em 1979. A boa música não consegue romper as barreiras, não tem contratos milionários e nem paga jabá. Felizmente o mundo está mudando e cada vez mais essas mídias vão precisar se adaptar.

  9. Eu acho que se pegarmos toda discriminação que houvera no passado contra alguma coisa pra justificar quaisquer coisa no presente, fica-se um coringa que queima o baralho. E é muito ruim também vulgarizar o debate sobre preconceito regionalista, usando-o a torto e à direito. Acaba servindo justamente para banalizar e favorecer quem o comete

  10. Caros, sou o autor da reportagem, e não da pesquisa. Tive o interesse em publicar algo sobre essa tese por alguns motivos. Um deles é que o estudo foi feito por um pesquisador nordestino, que conhece e vive a cultura local. Creio que isso deve ser levado em conta nas nossas opiniões. Não é porque o forró eletrônico vem do Nordeste que todo nordestino tem de admirar. Outro ponto é que, recentemente, publicamos uma outra reportagem do gênero, que usa os estudos culturais e o conceito de hegemonia de Gramsci para enaltecer o rapper Mano Brown. Vale a pena ler e contrastar. 😉 E, por último, sabíamos que muitos de nossos leitores iriam gostar e outro tanto odiar o texto. O que Farofafá busca é trazer à toma essa discussão que está por toda parte, mas neste caso procuramos ouvir o que os estudiosos estão falando. Respeitamos todas as opiniões, de verdade.
    Creio que esse debate não se encerra aqui, mas ele continua com todos nós que amamos a música brasileira. Nós, do Farofafá, defendemos um jornalismo sem preconceito e, se procurarem, verão que até já elogiamos rasgadamente as manifestações culturais vindas da periferia. Esse texto não é uma fuga ou uma contradição de nossa missão. Em verdade, ela reforça nossa convicção de que devemos buscar incansavelmente ouvir todos os lados, não deixar de se manifestar assim que um assunto se esgota porque aquela versão do texto ou de uma pesquisa diz exatamente o que penso. Ignorar, contudo, nos parece a pior ou a mais fácil de todas as saídas. E quando falo em ignorar digo tanto a respeito das críticas quanto das próprias músicas de que falamos. Abraços a todos.

  11. como sempre o nordeste é alvo.Criticar é mt fácil, vai procurar saber um pouco da história dessas bandas, o quanto lutaram p chegar onde chegaram….antes de criticar ou publicar algo procurar o outro lado da moeda.

  12. Lendo esta matéria fiquei a me perguntar: qual o limite entre uma análise crítica (tese de Doutorado) e uma crítica de desgosto (ou declaração de mau gosto)?
    Num primeiro momento a matéria é primorosa e técnica, mas num segundo momento não consegue ter argumentos que me convençam ou que se sustentem.
    Rápido listarei o que penso:
    1 – “O funk, o sertanejo, o forró, o pop, todas as músicas consumidas pelas massas não prestam.” Tal visão não poderia ser precipitada e, de certa forma, preconceituosa? Se diz que toda unanimidade é burra, será? Quando milhões de pessoas no Brasil inteiro, protestam (Junho/2013), dando a este ato um ar de unanimidade, isto é burrice?
    2 – “uma pérola de tempos idos” fala de um saudosismo que me parece dividir maniqueisticamente – e sem avaliar a fundo – o passado e o presente. O dos tempos áureos é bom, o de hoje não é. A juventude dos anos 60 era “cabeça” a de hoje é alienada. Não será simplista tal concepção? Roberto Carlos, Caetano, Gil, Tom Zé, entre outros, na época de sua juventude, eram tidos como alienados. Por exemplo, assista a vaia que Caetano Veloso levou no Festival da Record (que era frequentado pela elite intelectual de esquerda da época) ao cantar Alegria, Alegria.
    3 – “a atual “cobrança” pelo consumo de álcool” – estranho ferrenhamente este “atual”. Isto é de hoje ou de sempre? Se é datado começou, no mínimo no mínimo, antes do século XIX. Considero pouco realista o “atual” acima.
    4 – “Costa analisou o conteúdo das letras dos cinco primeiros álbuns da banda Garota Safada e descobriu que 65% das músicas falam de amor, 36% de sexo e 26% de festas e bebedeiras.” Confesso que não entendi onde está o problema deste percentual. Isto é só de hoje? É só do Nordeste? Sugiro assistir o programa VIOLA MINHA VIOLA, da TV Cultura, que apresenta músicas regionais, antigas e atuais, do cancioneiro popular, e escutar sobre o que elas versam.
    5 – “Não é por acaso que as relações sexuais são tão exploradas pelas canções de maior apelo comercial a ponto de se tornarem coisificadas à maneira de clichês industriais.” Isto é de hoje? E “Procurando tu” de Genival Lacerda? E “Ovo de Codorna”; “Capim Novo”; “Deixa a Tanga Voar”, de Luiz Gonzaga?
    6 – “O que move o cotidiano é isso mesmo: sexo, amor, prazer, diversão.” Isto é de hoje ou de sempre? A política do pão e circo de Roma é milenar e esteve presente antes e depois de Roma. Não é simplista a afirmação vinda entre aspas acima?
    7 – “O pesquisador defende que o gênero preferido entre os nordestinos faz parte de uma engendrada indústria cultural, por meio da qual são criadas e sustentadas formas de dominação na produção e na audição desse tipo de música.” Isto me lembra uma certa teoria conspiratória que vez em quando retorna, sob os mais variados aspectos, mas a conspiração, que era para vir, não veio. Se há conspiração na produção desta música, o que podemos dizer então do samba enredo da Marques de Sapucaí, que envolve TV Globo, Ambev, Bicheiros, etc.? Acho provável não ter conspiração alguma tanto no forró quanto no samba enredo.
    8 – É possível se ter uma visão bem diferente do focado nesta matéria. Por exemplo: (A) “Para o pesquisador, o consumo de bebidas se relaciona com a virilidade masculina, que, por sua vez, se vincula à reprodução do capital.”, Freud teria uma visão bem diferente do mesmo fenômeno. (B) “Ninguém quer ficar de fora da onda de consumo.”, o que para o autor é negativo para alguns políticos do PT, por exemplo, pode ser positivo, haja visto a onda de consumo, e aumento da classe média, a partir do Governo Lula.
    9 – Moro no Nordeste, não gosto de forró, mas o respeito muito, e não me acho no direito de julgar qualquer tipo de arte seja ela pornográfica ou não, erótica ou não.
    Cordialmente e forte abraço.

    • Primeiramente, há que se questionar você colocando esta manifestação pastiche como representativa do Nordeste, como emanação da essência de sua identidade.
      Outra, este tipo de contraponto é fácil: descontextualiza, alterando o sentido de colocações, para transformá-las em espantalho e assim ficar fácil “refutar” com um safanão que nem precisa de pensar duas vezes.
      Novamente, eu coloco, estas comparações sobre “tal era incompreendido no passado, logo X também é incompreendido no presente” só convencem a vocês mesmos, são como mantras. Primeiro porque não há a conexão lógica consistente, são silogismos inválidos. Segundo, porque estes “incompreendidos” no passado, passaram a ser “compreendidos” porque realmente tinham uma mensagem; eles realmente tinham conceitos a mais para o momento. Então, não dá para se comparar.
      Os “enredos” da Sapucaí não são martelados todo dia, toda hora sem parar nos grandes veículos, mas em determinada época; afora que o ritmo consta em diversos espaços alternativos do samba carioca afora a Sapucaí, mas interessante, você só lembrar dela. Diferente destas músicas de plástico que vivem do jabá e deslocam completamente as outras regionais, ou será que é tácito não mencionar que, se você coloca grupos de forró com zabumba, sanfona, etc., o povo do plástico vazio vaiará? Como já vaiaram Gonzagão, Dominguinhos, e até o Fala Mansa – mais “moderno”?
      “Freud teria uma visão bem diferente do mesmo fenômeno” – Freud não analisou a “reprodução do capital”. Mas Erich Fromm, freudiano, concorda com a análise.
      Sobre o consumo, o que está em jogo não é meramente querer-se consumir, como se fosse proibido, permitido apenas à classe média tradicional. Mas à anomia a que são levados. Pelo jeito, você não atentou novamente pelas referências do pesquisador nos estudos culturais, que é algo que foi muito mais adiante do que pôde ir a escola frankfurtiana. Para compreender, retomo um deles, o Hoggart:
      “Esta dieta regular, constante e quase exclusiva de sensacionalismo incorpóreo contribui para que
      aqueles que a consomem se tornem incapazes de encarar a vida de frente e de forma responsável, e ainda para despertar nos leitores a sensação de que a vida não tem qualquer objetivo, para além da satisfação de alguns apetites imediatos. Essas almas que não tiveram oportunidade para desabrochar continuarão fechadas, viradas para dentro, olhando ‘com olhos vazios, semelhantes a janelas escancaradas’ para um mundo que é em grande medida uma fantasmagoria de espetáculos transitórios e de estímulos falsificados.”

      E então que vem a propriedade da pesquisa, que aponta que não devemos essencializar o “povo” e colocá-lo como umbilicalmente subserviente e passivamente alimentado pela mediocridade massificante:

      “O fato de não ser essa hoje em dia a situação de todos os membros das classes trabalhadoras, deve-se à capacidade de resistência que caracteriza o espírito humano; resistência no sentido do reconhecimento de que há outras coisas que são importantes e que contam, se bem que esse sentimento nem sempre seja consciente”

    • Prezado Macedo,
      tentando responder às suas indagações, procuro também interagir com os demais que nos escreveram. Em primeiro lugar, queria dizer que o fato de ter escrito um texto sobre essa tese de doutorado, não significa que eu a endosse. Consideramos apenas necessário dar diversidade a um tema tão polêmico. Se procurar conhecer o nosso site, verá que sempre procuramos dar voz aos artistas populares, inclusive muito daqueles que o pesquisador critica. Sobre seus pontos, responderei um a um:
      1 – A frase que sublinha é, de fato, preconceituosa. Não me fiz compreender claramente e peço desculpas. O que quis evidenciar é que o trabalho que fala da “degeneração” do forró eletrônico poderia ser interposto também para outros gêneros populares. Sobre as manifestações (longo assunto), discordo que ela tenha dado um ar de unanimidade, mas entendo seu ponto. E você tem razão, não havia burrice alguma nos atos (em alguns, infelizmente, havia, mas não vem ao caso).
      2 – Essa frase que destacou é do pesquisador e não posso responder por ele. Mas eu estou totalmente de acordo com sua opinião.
      3 – O pesquisador associa muito claramente o atual consumo desenfreado de álcool com a massificação e a padronização das músicas. Não escrevi isso, agora vejo que fez falta, mas ele deixa claro que esse fenômeno não começou de agora. Talvez antes não havia algo tão ostensivo quanto à associação música e bebidas.
      4 – Faltou também dizer que o amor a que ele se refere é o amor carnal, ligado à prática sexual, e não aquele idílico, romântico ou mesmo platônico. O pesquisador, em sua análise de conteúdo, englobou todas sobre a mesma categoria, dentro daquela tipologia da tríade “amor, sexo e diversão”.
      5 – Pois é, você nos premia com inúmeros bons exemplos de músicas e compositores que versavam sobre temas picantes e que podem ser encaradas como clichês industriais – se já não o eram na época de seu lançamento. Esse ponto é fundamental, e faz parte de uma de nossas preocupações desde o início de FAROFAFÁ. Se antes já havia composições similares, e hoje são cultuadas, por que as atuais músicas populares não devem ser vistas e interpretadas com menos preconceito? Essa é uma de nossas missões.
      6 – Outra frase do autor. É de sempre, mas será que de forma tão ostensiva?
      7 – Uma pessoa já respondeu a esse ponto antes de mim. Me parecem um pouco distintos. Mas a indústria cultural não diferencia um gênero de outro e imagino que um estudo usando a Teoria Crítica de Adorno chegaria à mesma conclusão em relação aos sambas-enredos. E todo carnaval, pode escrever, essas “teorias conspiratórias” voltam à tona.
      8 – Sim, essa dicotomia, ou melhor, essa oposição no melhor estilo Fla-Flu acaba tornando qualquer discussão em uma visão míope da realidade. Não dá para condenarmos a priori o forró eletrônico ou qualquer gênero popular porque faz parte da indústria cultural. Ao mesmo tempo, não podemos negar que essas músicas que são hits de uma semana têm uma característica que se encaixa quase perfeitamente nesse modelo de massificação proposto por Adorno. Poderíamos até pensar que, conforme nos ensina os estudos culturais, surgirá desses fenômenos algo novo e revolucionário. Não negamos isso. Quem eram, afinal, Cartola, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e tantos outros artistas gigantes da música brasileira se não artistas oriundos das periferias e que atendiam ao gosto popular?
      9 – FAROFAFÁ fica muito feliz de ouvir tantos comentários que mostram que esta questão é não só polêmica como necessária e inescapável. Curioso que outro texto meu, falando que Mano Brown é um intelectual periférico, alcançou uma alta audiência e, praticamente, chegava a conclusões opostas ao do trabalho do colega pesquisador do Rio Grande do Norte. Sou sudestino e respeito todos os gêneros e artistas, populares ou não.
      Forte abraço a todos,
      Eduardo

  13. Música ruim com letra vagabunda e riminha fácil não é privilégio brasileiro, muito menos nordestino, porém uma coisa boa, por incrivel que pareça e espero que me entendam, que este “lixo” é nosso. Tento me explicar: em viagem a Bélgica, Holanda, etc vi que lá também as pessoas são ávidas por coisa ruim, e esse material era 99% importado dos EUA e Inglaterra, sendo um porcento de lixo nacional. Não que nosso país não importa coisa ruim, importa e muito, porém tenho a segurança de dizer que boa parte, como diria Silvio Santos, “é coisa nossa”, dando assim empregos a pessoas pouco talentosas, movimentando o dinheiro dentro de nossas fronteiras.

  14. Esta tese serve de parâmetro referencial para analisarmos todos os movimentos musicais contemporâneos de apelo popular, a mesma tese pode ser aplicada para contextualizarmos o sucesso de bandas tecno brega das duplas sertanejas(do famigerado sertanejo universitário) e do Funk.Triste constatação.

  15. Essa “pesquisa” demonstra a degradação…do que chamam de pesquisa, pegar seus preconceitos culturais e encher de teoria para justificar um financiamento público para uma “pesquisa” que não serve para nada, sinto vergonha alheia desse “grande intelectual” de academia, porque não pesquisa a decadência da vida acadêmica e suas “pesquisas” que só servem para encher lattes e obter títulos.

  16. O artigo é muito bom mas faltou citar que o forró eletrônico é divido em dois momentos: O primeiro momento é o da década de 90 em que reinavam músicas que falavam do amor “não-coisificado”, algumas tinham duplo sentido mas não era uma coisa apelativa, traziam temas como a vida do nordestino. Temos como exemplo Mastruz com Leite, Limão com Mel, Cavalo de Pau, etc. Tinham também as canções de vaquejada trazidas por Kara Véia, Delmiro Barros, etc. O segundo momento veio a partir do surgimento da banda Aviões do Forró e todas as suas congêneres (Garota Safada, Solteirões do Forró, etc.). Sinceramente, sinto saudades do forró eletrônico da década de 90, época em que vivi minha infância e pré-adolescência.

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