Eram 12 mil moças muito prendadas, muito ciosas de sua função social.
Queriam evitar a “disseminação da linguagem rasteira”.
Queriam ordem.
E assim, elas enviaram seu telegrama de apoio à censura da peça A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1961.
A historiadora Maria Aparecida Laet examinou 6.137 prontuários do Arquivo Miroel Silveira, que registram a censura ao teatro paulista ao longo do último século.
Textos como Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, proibidos em 1953.
Os serviços de censura ao teatro começaram em subordinação às policiais civis e estaduais.
Passaram a fazer parte do governo federal com a criação da Divisão de Cinema e Teatro do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) em 1939.
Há diferentes abordagens da censura para diferentes períodos históricos, mas sempre o que surpreende é sua ignorância.
Algumas das palavras mais censuradas em determinado período, por exemplo, eram “amante” e “divórcio”.
Um diretor do departamento de censura uma vez escreveu que eram “perigosas e desaconselháveis” coisas que conduzissem “à inquietude, ao pessimismo e ao desalento”, características que estão na base da arte.
A imprensa participou em muitos momentos dessa cruzada moralista.
Convidado pelo governador Jânio Quadros a dar um parecer adicional sobre a peça Perdoa-me por me Traíres, de Nelson Rodrigues, o jornalista Herculano Pires, então presidente do Sindicato dos Jornalistas, recomenda a proibição da apresentação.
Um censor acusa uma peça de Nelson de ferir o Código Penal Brasileiro, por colocar personagens estudantes “frequentando rendez-vous; incesto, crime premeditado para satisfação de instintos mórbidos, prosituição organizada de menores, etc, etc”.
O trabalho de Maria Aparecida procurou mostrar que a censura não era “burra” e “aleatória”, mas que tinha método e que perseguia aqueles que resistiam, para inibir o seu trabalho.
Nesses tempos de manifestações contra tudo que está aí, vi nas ruas muitos representantes dignos daquelas 12 mil moças da Federação Mariana.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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