Os Tribalistas Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antune se integram à causa das liberdades sexuais e de identidade numa simples marchinha de 1 minuto e 16 segundos.  

A internet amanheceu a quarta-feira 29 de maio em estado de celeuma, por conta do lançamento virtual de um novo single dos autobatizados Tribalistas, trio constituído informalmente por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte. “Joga Arroz” é um pequeno manifesto pop (de 1 minuto e 16 segundos) em apoio à união homoafetiva: “O seu juiz já falou/ que o coração não tem lei/ pode chegar/ pra celebrar/ o casamento gay”.

A gente só se dá conta do tamanho do tabu quando se depara de frente com ele: em quantas canções antes dessa você já ouviu a simples menção à palavrinha “gay”? Se o mundo é democrático, se temos ampla liberdade de expressão, por que tanto medo, pânico, terror até mesmo de pronunciar tão pequenina palavrinha?

O que está posto hoje na mesa é que o recente posicionamento pessoal de Daniela Mercury acaba de colher o primeiro fruto vistoso entre nomes de primeiro escalão da chamada MPB. Pais e mãe de família vivendo vidas aparentemente heterossexuais, Arnaldo, Carlinhos e Marisa acordaram falando uma simples coisinha, que vale igualmente para homossexuais, heterossexuais, bissexuais, assexuados etc.: viva livre e deixe os outros – todos os outros – viverem livres também.

“Maria com Antonieta/ Sansão com Bartolomeu/ Dalila com Julieta/ Alexandre com Romeu/ joga arroz/ em nós duas/ em nós todos/ em nós dois”, diz, embaralhando personagens históricos e fictícios, a gostosa cançoneta com sabor a um só tempo de marchinha carnavalesca, quadrilha junina, canção infantil e seriado pop de bangue-bangue espaguete. Confirmando as intenções libertárias, os Tribalistas disponibilizaram o quase-jingle livre e gratuitamente, para audição e download.

“Inimigos” do pop tribalista se prontificaram logo cedo em malhar “Joga Arroz” – é difícil não crer que se embaralham aqui as reprovações, seja aos Tribalistas (ou a Carlinhos Brown, o único negro e o mais detestado dos três), seja ao casamento gay em si, seja à “ousadia” de alguém declarar-se tão publicamente favorável a ele ou a qualquer causa.

Como sou fã de liberdade e do casamento gay, gostei de “Joga Arroz”. Você pode dizer que estou sendo panfletário. Pode dizer, como ouvi já algumas vezes hoje nas redes sociais, que os Tribalistas não são Tribalisstas, são Oportunistas. Eu poderia lhe dar ouvidos, se a crítica não fosse tão rocambolesca e se eu não achasse Tribalistas uma invenção genial desde sua origem. “Joga Arroz”, por sinal, me provocou vontade de ir reouvir o álbum homônimo lançado em 2001 pelos três (“um dia já fui chimpanzé/ agora ando só com o pé/ dois homens e uma mulher/ Arnaldo, Carlinhos e Zé”, cantavam na faixa-título).

Há, sim, um quê de calculado no (não-)manifesto conjunto elaborado por um homem paulista branco, uma mulher carioca branca e um homem baiano negro. “Carnavália” faz citação óbvia à “Tropicália” (1968) de Caetano Veloso. Conforme o disco avança, é evidente que o ponto de referência do trio é uma junção dos sonhos entre Doces Bárbaros, Mutantes, Novos Baianos, Raul Seixas e Jorge Ben. O ideário hippie, embandeirado por três artistas que de resto parecem caretas e bem-comportados, pode soar calculado, mas nem por isso é menor ou menos relevante – e o enorme sucesso popular em 2002, a partir da SlyStoniana “Já Sei Namorar”, deu legitimidade extra ao neo-hippismo emepebista dos Tribalistas.

OK, “Já Sei Namorar” emplacou geral porque, como muitos correram a acusar, era fácil, radiofônica,formulaica. Mas aposto até hoje que emplacou também porque continha uma mensagem poderosíssima, de que só os cultuadores de corpo e alma prisioneiros poderiam discordar: “Eu sou de ninguém/ eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”. “Já sei namorar/ já sei chutar a bola, agora só me falta ganhar”, cantavam, futebolisticamente, as tristezas e as belezas do Brasil.

E neo-hippismo era mesmo o xis da questão. Tribalistas é, 11 anos antes de “Joga Arroz”, um álbum libertário de A a Z. “Passam pássaros e aviões/ e no chão os caminhões/ passa o tempo, as estações/ passam andorinhas e verões/ passe em casa/ tô te esperando, tô te esperando”, cantam, em quarteto com a mulher negra baiana Margareth Menezes, em “Passe em Casa”, um gostoso e descompromissado convite ao sexo, à amizade, ao que você quiser.

O manifesto final, “Tribalistas”, é daqueles de enervar “inimigos” a granel: “Os tribalistas já não querem ter razão/ não querem ter certeza, não querem ter juízo nem religião/ os tribalistas já não entram em questão/ não entram em doutrina, em fofoca ou discussão”. “Joga Arroz” marca uma continuidade, mas também uma transformação: hoje, ainda bem, eles já cogitam entrar em questão e em discussão. E, poxa, assunto quente para a gente debater é o que não falta, não é mesmo?

“Joga Arroz”, além do bem que poderá fazer às causas libertárias no Brasil, é um pequeno pedacinho de coerência. Como o próprio Brasil, mostra que é possível mudar e melhorar preservando identidade, orgulho e amor-próprio. Precisamos de artistas engajados (em causas quaisquer, que sejam as d”As Baleias” de Roberto Carlos em 1981). Que bom que eles existam e estejam, também, na Rede Globo (caso de Carlinhos Brown) e no pódio da MPB mais conservadora.

(Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo! Brasil.)

 

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