O vão do Paço das Artes, na USP, está ocupado desde hoje por uma galera esquisita, aparentemente viajandona, que abrange estranhamente da pachorra black-africana do rapper Emicida à contenção ruivo-judia de Claudio Jorge, homem dos patrocínios culturais da Petrobras.

É o IV Congresso Fora do Eixo, que vem para cá desbancar a recente ocupação violenta da polícia paulista, em prol de algo muito mais pacífico, harmônico e inteligente. Ocupai a USP, grita em silêncio sepulcral a pequena multidão nômade aqui reunida.

O FdoE parece querer demonstrar, à moda do paulista Itamar Assumpção, com quantos nãos se faz um sim (ou muitos sins). Investe nos nãos de modo maroto (“malandro, Pablo Capilé é malandro”!, disse em sua mesa o animador cultural Carlos Eduardo Miranda).

Não-grade, não-programação, não-rancor, não-partido, não-universidade, não-TV, não-jornalismo. Não, não, não, não…

Ficamos todos por longo tempo no (não-)vão do Paço, onde a princípio nada de concreto parece acontecer. Vão-se formando rodas, por instigação discreta, mas incisiva, dos FdoE “orgânicos” (como eles chamam seus integrantes mais engajados, que moram em comunidade nas casas FdoE, praticam caixa coletivo etc. e tal).

Fotos Gabriel Vanini

Numa roda fala-se sobre pós-TV, na outra sobre rede das redes. Numa Daniel Ganjaman fala do coletivo Instituto e do já célebre “caso Criolo“, noutra o jornalista Alex Antunes desfia suas teorias sobre “projeto banco” versus “projeto pardo” de Brasil.

Presto atenção, sem querer, nas luzes de computadores plugados em redes sociais variadas, nas tomadas, nos emaranhados de fios, nas câmeras filmadoras e fotográficas, nos celulares incansáveis. Penso, sem querer, nos anos 1990 de Chico Science & Nação Zumbi. Rios, pontes e overdrives, impressionantes esculturas de lama. Mangue, mangue, mangue, mangue. Esse corpo de lama que tu vê. Mas há fronteiras nos jardins da razão?

As rodas crescem, se multiplicam. Vamos abrir a roda, enlarguecer, cono sugeria Sarajane na axé-Bahia dos anos 1980, minutos antes de a Nação Zumbi rufar tambores de maracatu e vibrar novidade via antenas de caranguejos refestelados em lama nutriente e nutritiva.

Já são nove rodas, que viram dez, que viram onze. Esta ciranda quem me deu foi Lia, que mora na ilha de Itamaracá. O cheiro de mato queimado avisa: a USP continua sendo a mesma que sempre foi, polícias políticas à parte.

A atmosfera, maluca da gota serena, fica entre a mauricice paulistaninha da USP e um palco-e-plateia de festival pernambucano de (não-)rock: papos intelectualizados em cirandas que pulsam ao ritmo da música.

Mas, epa!, hoje não há música tocando!, :-O

Há conversas. Contrariando minha irritante tendência habitual de chegar num lugar, eleger um canto e ficar parado sem me mexer, aqui eu não consigo parar quieto.

Pulo de roda em roda, sem conseguir fixar atenção no assunto de nenhuma delas. Ouço sotaques de todos os cantos do Brasil, trechos de papos, palavras-chaves, algumas delas repetidas com insistência para mim aflitiva (“disputa simbólica”, “ressignificar”…).

Você quer saber o que se discute aqui? Eu não vou contar – até porque eu próprio não sei muito bem. Se você já está enredad@ nas redes, já sabe, mesmo sem que eu conte. Se não está, vai ser difícil meter na sua cabeça em um mero texto – sinceramente, eu não consigo.

Mas a centopéia de cirandas e debates não para de corcovear. Na parte mais “careta” da tarde (congresso de música em auditório fechado), a dureza paulistana sobrepuja a babel de sotaques e experiências: em comparação com discussões que presenciei recentemente em cidades como Fortaleza, Rio Branco e Manaus, o debate me soa morno, travado, quem sabe intimidado pela fúria esterilizante que ocupa (ocupava?) o mito USP.

Com o perdão do palavrão, São Paulo é foda. Ainda falta muito grito do Ipiranga pra isto aqui ser declarado uma independêcia, proclamado uma república, consagrada uma democracia. Ao menos hoje isto aqui está cheio de negros, dos meninos do rap a Celso Athayde, da Cufa, Cental Única das Favelas.

Falo com Emicida ao final do debate e ele lembra imediatamente o episódio dantesco-policialesco de que a USP foi palco triste pouco tempo atrás – sabe muito bem o que está sentindo, eu também sei.

Talvez, quem sabe, a tensão se dissipe e se esfumace a partir de amanhã. São Paulo está doida para amolecer, e tem brasileiro à beça capaz de fazer isso aqui com todo o talento do mundo.

De minha parte, sigo ouvindo “não”, “não”, “não”, “nãããão”. Mas, não sei por que (ou sei), a gente escuta “não” e ele ribomba como um sonoro e coletivo “sim!”. Saravá, pai Itamar!

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