“A bem da verdade, conheci Martinho da Vila pelo Alcides, não o Malandro-Histórico da Portela, mas sim meu primo, que me presenteou com o LP “Martinho da Vila”, de 1969, sob a direção artística de Romeu Nunes, que, na contracapa, escreveu profeticamente:

Há algumas coisas em que tenho uma fé inabalável. Uma delas é a força da Música Popular Brasileira, especialmente do samba.

Não importa que, de vez em quando “o samba ameace ir pro brejo” – como diz o nosso Saldanha – porque Nosso Senhor dá uma de torcedor e surge um Chico Buarque de Holanda e um Martinho da Vila.

Não vamos polemizar porque o importante é cantar. Cantar Chico, Martinho e todos os antecessores e pósteros desses dois grandes compositores.

Foi justamente, quando a água não estava lá muito pra peixe, que apareceu Martinho. E, se os festivais não tivessem deixado muita coisa positiva, bastaria o advento de Martinho com “Casa de Bamba”, como saldo.

Martinho diz que não é cantor, mas sua força de comunicação, sua divisão originalíssima, sua simpatia, seu ritmo, sua voz selvagem de timbre personalíssimo, o que são senão atributos de um cantor atual? E por isso me recuso a aceitar sua afirmativa modesta de que sou seu inventor. Nada disso.

Aqui está o primeiro LP desse extraordinário compositor-cantor, depois de três sucessos – “Casa de Bamba”, “Yayá do Cais Dourado” e “O Pequeno Burguês”. O povo – Juiz de Última Instância – é que vai dar a Martinho o seu legítimo e definitivo título.

Na face “A” deste LP procuramos estabelecer uma espécie de ordem cronológica na carreira de Martinho, com suas primeiras composições (samba-enredo), seu primeiro sucesso e sua mais recente composição, feita no dia da gravação deste disco.

Na face “B” colocamos algumas composições inéditas tais como “Quem é do Mar não Enjoa”, “Brasil Mulato” e outros sucessos como “Parei na Sua” e “Pra que Dinheiro?”.

Alcides, salgueirense, alguns anos mais velho do que eu, funcionário da Companhia Estadual de Gás, disse-me:

– Baptista, ouve só este disco! O cara é muito bom!

Ofereceu-me o presente e, antes mesmo de pôr o disco para tocar, começou a cantar “Yayá do Cais Dourado”, com uma divisão diferente dos sambas tradicionais e com uma voz malandra, tentando imitar o cantor.

Ouvi o LP várias vezes e, em pouco tempo, sabia, de cor e na ordem, todas as faixas da “bolacha” – assim a rapaziada do samba dizia. As músicas agradavam-me, embora fossem diferentes das que ouvia em Oswaldo Cruz. Na época, tinha uma namorada, Vera Lúcia Pacheco, que, não sei qual o motivo, torcia pela Vila Isabel e sabia todos os sambas-enredos da Escola. E cantávamos juntos “em todo fandango e festinha” e, também, nas festas juninas, nos arraiais montados em terrenos baldios do subúrbio carioca. As músicas do Martinho eram a “coqueluche”, para usar uma palavra em voga na época.

Os discos foram-se somando e, rapidamente, aquele compositor-cantor foi-se consolidando e aborrecendo certos artistas e produtores, que não compreendiam e não acreditavam no sucesso meteórico daquele indivíduo oriundo de um grupo diferente do deles. Sobre esse assunto trataremos adiante.

Em 1975, quando da criação da Quilombo, escola idealizada por Candeia como alternativa para os sambistas deslocados em suas agremiações de origem, aproximei-me de Martinho, um dos fundadores, nas reuniões-pagodes na casa do Candeia e nas festas na sede da nova escola, da qual tive a satisfação de ter escrito o Manifesto, aprovado por unanimidade, com apenas uma palavra trocada, por sugestão do jornalista e nosso parceiro Juarez Barroso.

Em 1979, retornando de um curso de pós-graduação em língua árabe em Damasco, Síria, aluguei uma casa no Grajaú. Em 1988, nos dias seguintes da retumbante vitória da Vila Isabel, desfilando com o enredo Kizomba, de Martinho da Vila, desabou um forte temporal na cidade, que entre tantos danos, causou o desabamento da escada que permitia o acesso à minha residência. Não houve um acordo com o proprietário do imóvel para a reconstrução e, então, fui obrigado a mudar. Por decisão de todos os deuses, da Campinas fui parar na Axará, duas de algumas ruas do bairro que homenageiam cidades brasileiras. Naquela rua, do mesmo lado ímpar, residia Martinho da Vila. A partir de então, sucederam-se os encontros etílico-musicais, ao som da Velha Guarda da Portela e a cozinha, sob a batuta da Dona Leonilda, viúva do Candeia, ou da Dona Neném, viúva do Manacéa. (…)”

* Trecho do livro “Martinho da Vila: Tradição e Renovação”, de João Baptista Vargens e a André Conforte, prefácio do jornalista Sérgio Cabral e capa do cartunista Lan. A obra será lançada amanhã, sábado 26, na Primavera dos Livros, evento bacanérrimo na Rua do Catete, 153, Rio de Janeiro. Presença do próprio Martinho da Viola, e vai ter comidinhas e roda de samba com o grupo Passagem de Nível, do co-autor André Conforte. Quem estiver por lá, o livro custará 25 reais. Nos sites da Livraria Travessa e da Editora Almádena, poderá ser encomendado por 39 reais.

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