Rio Grande do Sul, terra do samba, do batuque e do carnaval. Hein? Como assim? O que pode soar esquisito para milhões de brasileiros, inclusive para muitos do Sul, é uma lembrança viva e um desafio para o cineasta Luiz Paulo Lima. Sua missão é provar que os gaúchos como ele próprio, tchê, sabem sambar e lutam bravamente para preservar esse ritmo que tanto alegrou sua infância.

Nascido em Porto Alegre, Luiz Paulo lembra dos carnavais na Avenida Borges Medeiros, quando ia acompanhado do pai ver as tribos (o equivalente das atuais escolas de samba) desfilarem. Eram os tapuias, chavantes, gês, guaianases e comanches, que com uma performance teatral traziam para a passarela ritmos que remetiam às figuras míticas do cabloco da umbanda. E no Sul a umbanda é chamada de batuque, porque sempre ao final dos cultos aconteciam os festivos encontros musicais de fundo de quintal. Isso desde os anos 1950, antes mesmo das batucadas de fundo de quintal que ocorriam no Rio, com o Cacique de Ramos (trata-se de um bloco carnavalesco criado em 1961 no bairro de Olaria, na zona norte fluminense, e cujos componentes também faziam parte do Fundo de Quintal, de onde brotaram Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Jovelina Pérola Negra e Beth Carvalho, entre outros bambas).

“As tribos gaúchas formam uma cultura original, com influências afro e indígena, mas que só duas escolas, a guaianases e a comanches, lutam para preservar”, registra o cineasta, que está em fase de edição da segunda parte da trilogia “Outros Carnavais: entre batuques, sambas e canções”. Trata-se de um longa-metragem que complementa a primeira parte, sobre o carnaval paulista (média-metragem lançado em dezembro de 2010), e cuja sequência será sobre o Rio de Janeiro. Nos três filmes, que não são etnográficos, frisa Luiz Paulo, a preocupação é ir além do que afirmam e reafirmam as construções históricas sobre o tema. Sabe aquela coisa do samba surgindo na Bahia, migrando para o Rio e este exportando seu modelo para outros carnavais, encontrando, por fim, seu túmulo em São Paulo? Pois então.

Para fundamentar essa tradição sulista com o carnaval, o cineasta fez questão de relembrar a origem gaúcha de grandes nomes do samba brasileiro, como Lupicínio Rodrigues, Caco Velho e Zilá Machado. Já aos 13 anos, Lupicínio compunha marchinhas, como “Carnaval”, música com a qual ganhou seu primeiro concurso. Dali em diante, foi galgando espaço como um dos maiores compositores da música nacional. São dele “Nervos de Aço”, “Se Acaso Você Chegasse”, “Esses Moços (Pobres Moços)” e “Triste História”, entre outras composições. Difícil dizer quem, dentre os grandes artistas, não tenha bebido dessa fonte (estamos falando de Ataulfo Alves, Felisberto Martins, Francisco Alves, Cyro Monteiro, Linda e Dircinha Batista, João Gilberto, Ângela Maria, Paulinho da Viola, Jamelão, Elis Regina, Caetano Veloso, Cazuza e Zizi Possi).

Da mesma época de Lupicínio, era Caco Velho, com quem disputou inúmeros concursos de marchinhas. Menino pobre que vendia balas e cigarros, foi descoberto musicalmente aos 9 anos em um bar, o Florida, quando cantarolou justamente a música “Caco Velho”, de Ary Barroso. Aos 19, migra para São Paulo, onde começa a participar de programas de rádios. Diz a lenda que certa vez tocou pandeiro para um convidado ilustre, Walt Disney, em visita ao Brasil, e dali surgiu a inspiração, mais tarde, para a criação do personagem Zé Carioca. Outra referência do samba produzido no Sul é Zilá Machado, intérprete, compositora e percussionista pouco reconhecida e reverenciada no país, apesar de seu enorme talento. Gravou seu primeiro disco, “Já se Dança Samba como Antigamente”, aos 52 anos e o quarto e último, “Ziriguidum”, em 2001, aos 73.

O pato – Caco Velho

Todas essas histórias estarão no filme de Luiz Paulo, provando que o samba gaúcho enriqueceu com uma sonoridade própria e uma batida diferenciada o gênero no Brasil. Outro personagem que complementa o longa-metragem é Luís Vagner, cantor, compositor e instrumentista nascido em Bagé. Depois de uma trajetória na capital gaúcha, onde tocava rock, Luís Vagner migrou para São Paulo, onde começou sua incursão por outros ritmos até chegar na gênese do samba-rock. Conhecido como guitarreiro, ele teve composições gravadas por Ronnie Von, Wilson Simonal, Trio Esperança, Bebeto e Paulo Diniz.

“O longa traz essa crítica forte de querer centralizar a história do samba só no Rio, ignorando outras influências que o ritmo sofreu”, afirma. “Quero tentar mostrar o que se perdeu e está se perdendo com essa indústria do carnaval feito para a televisão, onde até as velhas guardas perdem seu prestígio. Antes elas abriam os desfiles de carnavais, eram o destaque maior. Hoje, se estourar o tempo da escola, elas ficam para trás na avenida.”

Na primeira parte da trilogia, Luiz Paulo (que antes de ser cineasta foi fotógrafo profissional) já procurou desmitificar histórias que buscam confinar o samba paulista num reduto muito particular. Em vez de ir ao Bexiga, tido como o berço do gênero em São Paulo, o cineasta foi até Vila Brasilândia e Vila Matilde e entrevistou mulheres sambistas como Dona Guga (Morro da Casa Verde) e Dona Filomena (Flor de Lis) que preservam a história do gênero. “A idéia foi contar a história do carnaval através de outras periferias. Não existe um sotaque do samba paulista, mas vários sotaques diferentes”, afirma.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Eduardo,espero que o seu p~ublico assista o filme e comente o que achou neste blog. Avisarei sobre o lançamento. Obrigado e um grande abraço .Luiz Paulo Lima

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