o músico, compositor e poeta carioca marcelo yuka fez chegar à imprensa um comunicado, dando conta de um fato que havia acontecido com ele. como eu sou da imprensa e fiquei interessado no fato, fiz uma entrevista telefônica com yuka, na tarde de terça-feira, 23 de maio de 2006. é a transcrição dessa entrevista que vai abaixo, sem que eu precise explicar porquês – a seqüencia de perguntas e respostas será auto-explicativa.

melhor ainda é que, conversando com o músico sem falar de música, me encontrei cara a cara com o mesmo assunto que vinha fazendo palpitar este blog, e que agora faz volta triunfante, pela fala de yuka: a humilhação.

abaixo do “pingue-pongue”, vem reproduzida a letra de “a minha alma (a paz que eu não quero)”, só para demonstrar que yuka segue expressando em prosa de 2006 os mesmíssimos valores que já defendia em poesia de 1999, e de antes.

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pedro alexandre sanches – o que aconteceu com você no aeroporto?

marcelo yuka – o que aconteceu em são paulo comigo no final de semana? vou falar o fato que aconteceu e tudo que, para mim, é causa e conseqüência disso. é praxe das companhias aéreas pedirem para quem tem algum problema especial [yuka se locomove em cadeira de rodas, desde que, em 2001, foi interceptado por uma “salva” de tiros numa cena “cotidiana” de violência no rio de janeiro] que entre primeiro, mas se coloque ou antes de todo mundo ou depois de todo mundo no avião, para não atrapalhar a entrada dos passageiros. me pediram que esperasse um pouquinho, o que é praxe em todas as companhias. eu fiquei com minha cadeira na porta do avião, esperando. todo mundo entrou, se alojou, eu fui para o meu lugar, me alojei. sou muito alto, tenho 1m94, e a cadeira, que é minha, é adaptada ao meu tamanho, foi feita para mim. e a cadeira, em todos os vôos que pego, vai então para o porão, e eu fico só com minha almofada, que é uma almofada especial.

quando cheguei a são paulo, a gol me informou que tinha vindo toda a minha bagagem, mas a cadeira, não. por que é que eu acho que isso é uma coisa muito séria? porque não foi como se extraviasse uma bagagem. fui com ela sentado, levando a cadeira embaixo de mim, até entrar, até a porta do avião. então era só botar para baixo, e eles não fizeram isso. não é como se eu deixasse de usar algumas camisas ou uma escova de dentes que está na minha bolsa. isso é tirar minha única possibilidade de locomoção, que já é muito restrita e dificultosa.

outra coisa que aconteceu lá é que eles não tinham nem o corredor móvel nem o carro com elevador que fica disponível na ponte rio-são paulo. tentaram me tirar numa cadeira que não era minha, que estava em péssimas condições, sem freio, descendo pela escada, só com pessoas me levando pelo braço, eu em cima daquela cadeira. a partir do segundo ou terceiro degrau, a cadeira começou a se desmontar, e eu tive que voltar.

então foram duas faltas de respeito, desrespeito aos meus direitos e à conduta da aviação mundial: o fato de não levarem a minha cadeira e a maneira como fizeram com que eu descesse do avião. veja bem, não é a primeira vez que isso acontece com a gol. já tive uma primeira vez que aconteceu, e que foi documentada por passageiros que fotografaram a péssima conduta com que me tiraram do avião. virou matéria do jornal “o globo”. então eles estão sendo reincidentes com relação a isso. uma outra companhia aérea, há dez dias, cometeu o mesmo erro comigo, mas estou concentrando na gol porque é reincidente.

pas – a outra companhia foi a tam, certo?

my – é. na gol é a segunda vez que acontece, e nas duas vezes escrevi para a companhia dizendo que aquilo estava acontecendo, e ninguém me deu nenhuma explicação, nenhuma consideração. dessa vez, fui até o dac [departamento de aviação civil, subordinado ao ministério da defesa] e fiz uma queixa formal [segundo o comunicado, ele se encaminhou à delegacia do aeroporto e foi informado que deveria prestar queixa contra as duas cias aéreas no DAC, que sugeriu que a maneira mais rápida seria enviar um email para o mesmo DAC já que, mesmo pessoalmente ou por telefone, ela demoraria mais tempo para ser encaminhada]. mas eu preciso de mais força para fazer isso, porque ainda são poucos os deficientes que voam corriqueiramente. o desrespeito às leis que nos garantem ainda é muito grande. não estou pedindo favor, eu estou pedindo só o que é de meu direito. é importante lembrar é que essa companhia aérea transporta vidas, transporta pessoas. e àqueles que precisam de mais cuidados ela falta com o respeito. imagine com as outras pessoas.

pas – a queixa formal, até agora, não resultou em nenhum retorno concreto?

my – não deu em nada. pelo contrário, quando procurados, eles alegaram que eu cheguei atrasado. olha, mesmo que eu tenha chegado um pouco depois do convencional – mas cheguei dentro do horário marcado -, eles embarcaram tudo, só não embarcaram minha cadeira de rodas. mostra que é desrespeito, desconsideração, falta de know-how para trabalhar com isso. se avisassem “não posso transportar sua cadeira porque você chegou um pouco depois”, eu optaria por um outro vôo mais tarde, não por aquele, porque a cadeira é a minha perna, é minha forma de locomoção. eles me pressionaram para sair numa outra cadeira porque precisam da aeronave para continuar comercialmente, mas de maneira segura eu não tinha como descer dali.

pas – de um modo avesso, lembra a história recente do comandante do exército que fez um avião parar para que ele pudesse embarcar.

my – pois é. no meu caso, eles fizeram eu descer. é claro que eles precisam da aeronave, eu ia ficar ali empacando a aeronave? não. ainda por cima, além de não levarem minha cadeira de rodas, ainda me desceram de uma maneira impensada, porque precisavam da aeronave. então, veja bem, sinceramente, eu estou usando a mídia que tenho, que pode ser disponível a mim por uma certa notoriedade, para poder fazer algum tipo de pressão. com certeza, uma pessoa que não tem tanta voz quanto eu tenho vai passar por isso e tudo vai ficar impune. acho que hoje, eu, que já tinha outras bandeiras e lutas, não posso me negar dessa. talvez exista, infelizmente, uma quantidade enorme de pessoas com deficiência que, às vezes por me ver no palco e me ver continuando, me tem como referência. nessa hora isso me pesa. se eu simplesmente virasse as costas e fosse embora, eu não estaria virando as costas não só para o meu direito, mas para uma coisa que represento talvez para todo um grupo de pessoas que têm necessidades especiais. estou requerendo um direito não só meu, mas de todos que estão nessa situação e podem ser tratados dessa maneira, mas não têm a voz que eu tenho. eu tenho que usar isso. você, me ligando hoje e se sensibilizando pelo problema, não está só dando espaço para mim, mas acho que para todos que enfrentam esse tipo de dificuldade.

pas – como você se comporta na hora do incidente? como se sente por dentro, e como reage para fora?

my – eu ajo extremamente calmo, porque tenho que me concentrar ao máximo para tomar todas as medidas legais. eu não posso perder a razão. então fico o mais calmo possível. mas me sinto profundamente humilhado, profundamente humilhado, até porque tenho que requerer meu direito como se fosse um favor. isso é o que está errado em relação à acessibilidade, aos direitos dos deficientes. quando você vai falar nisso, é como se alguém estivesse te fazendo um favor. a humilhação está nisso. o cara não entende que aquilo é tua perna. “ah, passa para essa cadeira mesmo, vamos deixar de qualquer maneira, só para a gente descer, porque você não vai ficar aqui, né?” ele não entende a emergência da coisa. ele não entende que não está fazendo um favor em me descer.

pas – guardadas as proporções, é como se confiscassem o seu carro na porta do aeroporto.

my – pois é! tem a ver com o direito de ir e vir, que é um direito básico da constituição, um direito que em mim, com a questão violenta, me foi arrancado. eu já tenho uma debilidade enorme, ainda tenho que passar pela falta de respeito de uma companhia que transporta vidas? quer dizer, a minha vale menos? o meu poder de locomoção vale menos? quando as pessoas saem, tem sempre alguém que fica ali, “obrigado pela preferência”, “obrigado por escolher a gente”, “volte sempre”. a mim, eu não tinha como sair, quanto mais passar por uma gentileza forçada dessas.

pas – pergunto sobre sua reação externa por causa dessa imagem freqüente do artista “rebelde”, estourado, como aconteceu em outro avião, num incidente entre chorão [líder da banda charlie brown jr.], marcelo camelo e rodrigo amarante [do grupo los hermanos], que acabou em violência. se você brigar, agredir ou ficar violento, se arrisca a perder razão, não?

my – não, meu perfil não é esse. há tantos anos estou nesse meio e nunca me envolvi nisso, nem com minha saída d’o rappa. não usei aquilo de maneira chamativa, num momento em que poderia ter colocado na imprensa, até para me defender. eu preferi ser o mais… não digo tranqüilo…, mas eu não quis colocar uma coisa pessoal na imprensa. era relacionamento pessoal, não poderia virar chacota de imprensa. então, mesmo quando aconteceu uma coisa gravíssima igual àquilo, eu quis ter o direito de me reservar. sou uma pessoa reservada. já tive relacionamento com pessoas famosas, nunca espalhei isso. já tive meus problemas de perder a cabeça, mas sempre me controlei. tenho um nome aí que não é associado à violência, a escândalos na imprensa, nada. meu nome é associado a uma outra coisa, a uma certa busca por direitos, que não posso me negar agora.

se você perguntar a todos os funcionários da gol, ninguém tem o mínimo a falar de mim. pelo contrário, eu chegava e falava “olha, não é nada pessoal, mas eu tenho que fazer algmua coisa, tenho que me colocar contra a companhia”. eles me pediam desculpa, me acompanhavam, eram gentis comigo, e eu sempre falando “você me desculpa, não é pessoal”. todos falaram “claro, você tem mais é que fazer isso mesmo”.

pas – é preciso um forte autocontrole para manter essa calma, se lá por dentro está queimando a humilhação, não?

my – é, mas eu sei que o procedimento certo é esse. eles não tem nada de que reclamar de mim nesse contexto, de maneira nenhuma.

pas – tomar essa posição, de protesto sereno, custa o que para você? é difícil? a impressão é de que ninguém está ouvindo, de que ninguém está nem aí?

my – as pessoas só identificam que possa ser uma coisa séria quando chega à imprensa. eu acho que também a maneira de eu falar, calma, pausada e prolixa, na hora de fazer a minha denúncia, emite algum tipo de respeito. porque esse é o procedimento que aprendi quando comecei a ler e vi que as palavras que eu usava, até mesmo numa dura policial, podiam mudar a reação do policial contra mim.

pas – quer dizer que você aprendeu isso na relação com o policial?

my – é.

pas – e tem de aplicar hoje em dia no comissário de bordo…

my – é, exatamente, uma tática que aprendi lá tenho que usar hoje. mas acho que a companhia só entende que é mais sério quando chega à imprensa, quando vê que a minha denúncia não vai virar um papel no lixo, ou arquivado, que pode ter um eco maior. mas é ruim para mim, porque não quero me passar como chato, como aquele que está sempre gritando por direitos. mas, pô, a vida vai me colocando nesse sentido. não sei, parece que é meu destino, é uma coisa que não sei como controlar. na hora falei, “pô, vou ficar calado, não quero chamar mais atenção”, mas depois pensei que, não, bicho, se ficar calado não estou me calando só, estou calando uma causa que é emergencial hoje em dia.

o governo brasileiro escolheu este ano para ser um ano de batalha na questão da inclusão dos deficientes, a igreja católica também escolheu isso como diretriz para 2006, um ano de batalha pessoal da igreja em relação aos deficientes. eu até falei recentemente sobre isso, quando estive com o arcebispo de brasília. falei “olha, acho muito legal a igreja finalmente abraçar essa causa, mas quando você fala que está abraçando a causa dos deficientes eu acho que a gente podia estender isso, de uma maneira mais ampla, aos deficientes imunológicos também”. a igreja ainda não tomou uma atitude pelo menos responsável quanto a isso.

pas – você disse isso a ele [espantado]? e que reação ele teve?

my – [ri] disse. ele ficou meio assim encabulado. mas pedi até uma salva de palmas ao público à igreja, pela campanha.

pas – ah, isso aconteceu em público [mais espantado]?

my – é, foi na semana passada, quando fui a brasília fazer uma palestra sobre a inclusão dos deficientes. aliás, foi na volta que tive o problema com a tam, é incrível. mas falei isso, se vamos falar de apoio aos deficientes, que a igreja estenda isso até os deficientes imunológicos.

pas – o arcebispo fugiu do assunto?

my – é, não comentou isso. mas eu fiz a minha parte. está vendo como as coisas são mais profundas do que parecem?, como a gente tem que ter sempre um posicionamento? às vezes tem que ter uma certa contundência. e às vezes só requerer um direito justo para a sociedade, num país onde não é dado, já faz parecer que você é mais contundente ou polêmico.

pas – talvez por ter a percepção aguçada para isso é que você vai encontrando essas coisas por onde andar, também sob o risco de passar facilmente a imagem de um cara incômodo.

my – é. mas se for para ser incômodo desse jeito não tem problema, eu assumo essa imagem. de alguma maneira, tendo essa postura, em minha vida venho colhendo várias coisas positivas para mim e para as pessoas ao redor. imagina agora que, se eu depender de um vôo da gol, talvez o preconceito que vão ter comigo vá ser maior, ou não sei nem se vão vender um bilhete para mim. não sei, só sei que são poucas as companhias, que essa é uma companhia que tem passagens com preço em conta, justo, o que é uma virtude dessa companhia. mas, em contraproposta, me sinto totalmente constrangido, acuado em poder voltar a usar o serviço da gol, por exemplo.

pas – no campo da sua vida privada, uma atitude oposta sua poderia corresponder a você desanimar e nem ter vontade mais de viajar, se aceitasse passivamente o constrangimento?

my – é. e também, por exemplo, quando viajo vou com enfermeira e ajudante, porque sou muito pesado, tenho o braço esquerdo comprometido. minhas viagens são caras, porque uma vale por três, são quase três bilhetes. então companhias com bilhetes mais baratos para mim são mais adequadas.

pas – isso me leva a pensar que você é um passageiro lucrativo para as companhias, já que tem que levar duas pessoas junto, pagar três passagens. e em troca recebe um serviço com a qualidade que descreveu.

my – é, e por direito o deficiente tem um desconto para seus acompanhantes.

pas – é?

my – isso só fiquei sabendo há pouco tempo, porque nenhuma delas divulga. como têm banners de promoções, deveriam ter por lei um banner listando os direitos. até então eu comprava minha passagem como deficiente e a do meu enfermeiro pagando o mesmo preço que a minha. e ninguém falava nada, ninguém dizia para mim “olha, você tem direito a desconto”. nada. fiquei sabendo disso através das associações de direitos dos deficientes. requeri lá, e aí consegui. quer dizer, quantos deficientes ainda estão pagando sem saber?

pas – você diria que as campanhas do governo e da igreja nessa questão colaboraram para que você, especificamente, ficasse mais atento, descobrindo direitos e reivindicando?

my – não, não. só quero colocar que, se isso passa a ser prioridade para duas instituições tão fortes, por que é que não existe pressão em cima de companhias que transportam vidas? o olho tem que estar mais aberto agora.

pas – esse incidente e o seu protesto aconteceram nestes dias que estão muito tensos, acirrados e violentos no brasil – ou, mais precisamente, em são paulo. você faria algum nexo entre essas coisas todas?

my – olha, não…

pas – de um modo muito mais drástico, o grito do pcc também é de exigência de direitos, não?

my – você fala de quê, do pcc exigindo tvs para ver a copa do mundo?

pas – não, não disso, mas de um embate social, de um grito de revolta simbólico por tudo que passam todos os dias.

my – ah, claro, nesse sentido, sim. no caso da população carcerária, com essa idéia que existe na sociadade, de castigo e não de recuperação, vão explodir manifestos como esse. acho que o meu manifesto ser pacífico encontra afinidade com esses quando meia população carcerária, independente de pcc ou de casos em são paulo, faz referência a reivindicações justas, e de maneira justa. o que houve em são paulo não foi uma reivindiação justa, foram atos de violência mesmo, mas que também vêm decorrentes de falta de direitos que até os presidiários possuem.

pas – que dão alarme para uma situação grave que na maior parte do tempo a sociedade não vê, ou finge que não vê.

my – exatamente. a maneira como foi feita eu acho totalmente errônea. até mesmo a liderança que o pcc se obriga em certas instâncias é super-errada. mas é uma conseqüência, uma conseqüencia de um mau tratamento também. não só isso, tem outras coisas em jogo na questão do pcc, mas também vem de um ponto de vista totalmente errôneo com que se encara a população carcerária em todo o brasil.

pas – fiz esse nexo, nada imediato nem evidente, lembrando do que luiz eduardo soares fala de você, que você é um cara que se manifesta sempre de modo pacífico e acaba sendo um contraponto, ainda que pequeno, à violência que o rodeia.

my – sim, e outra coisa é que as coisas no brasil não são separadas. esse desdém que existe com os deficientes existe com os pobres, com as pessoas em geral que estão em posições digamos mais frágeis na sociedade. a grande parte dos deficientes do brasil se encontra nas camadas mais pobres da sociedade, e por isso existe pouca pressão social, porque este país ainda se curva a quem tem mais grana para ter mais direitos, ou mais grana para corromper direitos. por esse ponto de vista, posso ver que as coisas estão relacionadas, além de que o preconceito que existe com deficientes é o maior de todos. nós ainda somos vistos como doentes. eu não sou doente. nós ainda somos vistos como assexuados. eu não sou assexuado. e ainda somos vistos como pessoas que precisam de favor, num país que tem uma legislação das mais completas em relação aos deficientes. o que acontece é que ela não é usada, ela não é posta para valer. são poucos aqueles que punem quem não respeita os direitos do deficiente.

pas – ali na hora do incidente, a companhia aérea ainda está lhe subtraindo um direito a mais, que era seu e não era nada de que você precisasse obter dela.

my – exatamente, a cadeira era minha. eles não me deram, eles tiraram uma coisa que eu já tinha, mesmo que momentaneamente. para mim passa a ser uma associação bizarra, porque justamente afeta o meu direito de ir e vir.

pas – à luz de tudo que você já viveu, como você percebe a onda de violência em são paulo, que vem democratizar, entre aspas, o que se dizia acontecer só no rio?

my – acho que isso foi um soco no estômago de um poder de repressão da polícia, que se achava mais poderoso e capaz do que o resto do brasil todo. sempre se falava “não, isso não acontece em são paulo”, com orgulho nos olhos, com uma certa prepotência. olha, isso acontece em são paulo também por culpa da polícia, mas não só. acontece no brasil todo porque é um problema social do brasil, e são paulo não está à margem do brasil. está contido, por mais que seja o estado mais rico. isso não deixa são paulo à margem dos problemas, nem também à margem das virtudes do brasil. está inserido, não dá para falar “aqui não acontece”. acontece, essa é uma questão de tempo. ou já acontecia há muito tempo sem que fosse percebido. são paulo não iria ficar muito tempo isento disso.

pas – e, como se viu, a cidade reagiu com histeria talvez desmedida, não?

my – é lógico. por que não divulgar o nome e o número exato de mortos, por quê? isso mostra que é evidente a culpa por parte do poder repressor. a gente quer uma justiça de qualidade, uma justiça justa, olha só. aqui não tem pena de morte. tem que se ter uma lei em que se confie, não virar o que aqui no rio se chama polícia mineira, justiceira, que passa a ser outro tipo de crime organizado. se é oficial ou não, não importa, é um crime também. acho que em todo o brasil é preciso uma posição mais inteligente. até mesmo quanto à repressão ao crime organizado, precisa mais investigação, mais inteligência, criatividade, e não brutalidade, não vingança. porque, no dente por dente e olho por olho, todo mundo vai ficando banguela e cego.

pas – é um pouco o que acabou acontecendo na sua vida pessoal, de você se ver dentro de uma cena de violência, brutalidade ou vingança que não era sua, e pagar por ela?

my – pois é, eu sou talvez uma caricatura viva desse problema social brasileiro.

pas – ou um retrato mesmo, não uma caricatura.

my – é, um retrato…

pas – …com poder sobre isso, pela relevância do seu papel como um todo.

my – é, apesar de tudo eu ainda insisto em acreditar que esta cultura é formada por pessoas supergentis, que a cultura brasileira favorece isso, com manifestações culturais que são sempre aglutinadoras, nunca excludentes. acho que a gente está pagando é por uma elite cada vez mais burra, preconceituosa e, ela, sim, agressora. o resto é conseqüência, é efeito colateral

pas – você já leu “elite da tropa“, do luiz eduardo soares, desta vez em parceria com dois policiais?

my – ainda não, ainda não. mas luiz eduardo é um grande amigo meu.

pas – não sei se você gostaria de falar sobre isso, mas há uma passagem lá sobre um “acidente” com um cantor popular, que me deu a impressão de contar a sua história, sob a capa da ficção.

my – querido, eu prefiro não falar. mas o meu silêncio indica o que eu acho. eu tenho que ficar calado.

pas – mas não está incomodado nem zangado com o livro?

my – não, de maneira nenhuma.

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a minha alma (a paz que eu não quero)
(letra marcelo yuka-música o rappa)

“a minha alma está armada e apontada para a cara
do sossego
pois paz sem voz
não é paz, é medo

às vezes eu falo com a vida
às vezes é ela quem diz
qual a paz que eu não quero conservar
para tentar ser feliz

as grades do condomínio
são pra trazer proteção
mas também trazem a dúvida
se é você que está nessa prisão
me abrace e me dê um beijo
faça um filho comigo
mas não me deixe sentar
na poltrona no dia de domingo

procurando novas drogas
de aluguel nesse vídeo
coagido pela paz
que eu não quero
seguir admitindo”

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